As
nuvens acumuladas sobre a linha do horizonte formavam um magnífico espetáculo de
luz e cor que só era interrompido no poente claro e luminoso. Algumas eram de
aspecto ameaçador, negras e carregadas de chuva e trovão, em contraste com a
delicadeza das nuvens brancas que irradiavam luz e esplendor. Empilhadas umas
sobre as outras, numa gama infinita de forma e tamanho, elas transmitiam
incrível vigor e beleza. Apesar da aparente imobilidade, seu interior era
extremamente violento, e nada poderia deter-lhe a avassaladora grandeza. Do
poente, uma brisa suave impelia aquelas gigantescas nuvens na direção dos montes
que com elas formavam um imponente cenário de sombra e luz. A vegetação que
cobria os morros e as cidadezinhas ali existentes ressentia-se do longo período
de estiagem; com a chegada de mais um inverno, não tardariam as árvores a
colorir-se de verde para, em seguida, perder novamente todas as suas folhas. A
estrada era uma reta cercada de árvores frondosas e o carro mantinha-se em alta
velocidade, até mesmo nas curvas. A velocidade é a razão de ser do automóvel,
cujo desempenho, naquela manhã, era excepcional. O carro vinha colado à pista,
talhado para aquele papel que tão bem desempenhava. Logo estávamos na cidade
(Roma), mas aquelas nuvens imensas pendiam sobre o horizonte em ameaçadora
expectativa.
No
completo silêncio da noite, em Circeo, interrompido apenas pelo pio intermitente
da coruja, enquanto repousávamos na pequena cabana no meio do bosque, o
êxtase da meditação invadiu-nos o ser. Sem o mais leve frêmito do pensamento
e suas sutilezas, ele fluía sem cessar, paralelamente à mobilidade do cérebro,
que, do vazio, tudo observava. Este vazio desconhecia toda forma de saber e
jamais conhecerá o espaço ou tempo. Era um vazio de natureza transcendente. Nele
havia a fúria devastadora da tempestade, a comoção do universo em explosão, a
inexprimível fúria da criação. A vida, o amor e a morte estavam ali contidos, e
nada seria capaz de preencher, transformar ou encobrir aquela imensidão. A
meditação se passava no supremo êxtase desse vazio.
O sutil
inter-relacionamento entre a mente, o cérebro e o corpo é a essência da difícil
arte de viver. Surge o sofrimento quando um desses fragmentos predomina entre os
demais e a mente se torna incapaz de controlar o cérebro ou o organismo físico;
quando existe harmonia entre o corpo e o cérebro, a mente deixa de ser mero
joguete de ambos. O todo contém o fragmento, mas a parte jamais poderá abarcar o
todo. A harmoniosa convivência daqueles dois elementos exige extrema
sensibilidade e inteligência, quando impedidos de forçar, discriminar ou
dominar. Efetivamente, o intelecto pode danificar até mesmo destruir o corpo, e
este, por sua vez, embotado e insensível, corrompe e causa deterioração do
intelecto. Ao descuidarmos do corpo, na complacência e satisfação dos próprios
desejos e apetites, concorremos para o seu embrutecimento e insensibilidade, o
que conduz à letargia do pensamento. E o requinte e astúcia do pensamento
conduzem ao desleixo do corpo, que, por sua vez, afeta e distorce o pensamento.
O excesso de peso e a gordura interferem no delicado mecanismo do pensar e este,
ao tentar escapar aos conflitos e problemas de sua própria criação, afeta o
organismo. A capacidade de acompanhar o movimento veloz e sutil da mente
exige grande sensibilidade e harmonia do corpo e do cérebro. A mente,
então, deixa de ser mero joguete do cérebro que age de forma mecânica.
A
percepção da necessidade vital da mais completa harmonia entre o corpo e o
cérebro os torna sensíveis e isentos de qualquer maneira de domínio. A percepção
da verdade é definitiva, seja ela negada, seja evitada ou sublimada. A
compreensão do fato, e não a sua avaliação, é fundamental. Percebendo-se
esta verdade, o cérebro torna-se consciente dos hábitos, como fatores de
deterioração do corpo, banindo toda espécie de controle e disciplina, impostos
pelo pensamento. Insensibilizando-se através do controle ou da repressão, o
corpo conhece a decadência e a deterioração.
Ao
acordarmos, quando já não havia o ruído dos carros subindo a ladeira, o perfume
do bosque impregnava a atmosfera e a chuva batia de leve na janela; mais uma
vez, aquela estranha benção inundava o quarto com a fúria da tempestade, o
ímpeto de um rio caudoloso e o poder da “inocência”. Tamanho o vigor
daquela energia que toda forma de meditação findava, e a sensibilidade do
cérebro nascia de seu próprio vazio. Apesar da sua intensidade ou até mesmo
por causa dela, permaneceu viva e atuante por longo tempo. Diante daquela
benção, o cérebro tornou-se vazio. Da destruição dos pensamentos, dos
sentimentos e visões restava o vazio em que nada
existia.
Krishnamurti
— 03 de outubro de 1961