"Qual o valor de um ganho material que só vem depois que todos os nossos entes queridos se foram?". |
Pergunta a Osho:
No contexto de matar sua própria gente, quando
Arjuna diz que não vê nenhum bem espiritual nele, obviamente está mantendo
distância da ideia do bem material e mundano. O contexto aqui é meramente
material? E se for, como ele se tornará realmente religioso?
Osho: Da sua posição, Arjuna só pode estar se
referindo à felicidade material. Não é que um teísta não tenha uma relação com a
felicidade material, é claro que tem, mas quanto mais ele procurar por ela, mais
perceberá que alcançá-la é impossível.
E apenas quando a procura pela felicidade
material levar uma pessoa a passar por sua impossibilidade é que a busca
espiritual começa.
Por isso a busca por felicidade material
realmente tem uma contribuição significativa para a busca pela felicidade
espiritual. A contribuição mais importante que essa busca traz é inevitavelmente
levar uma pessoa a sentir frustração e angústia.
Mas é muito interessante em relação à vida que
não apenas aqueles degraus que levam ao templo do divino nos guiam até lá, mas
também os degraus que não levam ao templo.
Isso parece ser muito paradoxal: não só a
escada ligada ao céu nos ajuda a chegar lá, mas, ainda mais, e antes disso, a
escada que liga ao inferno tem nos ajudado. E na verdade, a menos que a jornada
que leva ao inferno se mostre completamente fútil, nenhuma jornada em direção ao
céu pode começar.
Até que se torne completamente claro que a
estrada na qual uma pessoa está seguindo leva ao inferno, não fica claro qual é
o caminho para o céu. As alegrias materiais
funcionam como sinais de alerta negativos no caminho da felicidade
espiritual.
Cada vez mais procuramos a felicidade por meio
de prazeres materiais, e cada vez mais
falhamos. Cada vez mais desejamos algo, e sempre fracassamos ao obtê-lo.
Cada vez mais nós aspiramos, e cada vez mais falhamos.
Existe uma história grega sobre Sísifo. Camus
escreveu um livro sobre isso: O Mito de Sísifo. Sísifo está sendo punido pelos
deuses, tendo de levar uma pedra ao topo de uma montanha. E a outra parte da
punição é que assim que ele chegar ao topo - cansado, suando e sem fôlego por
ter carregado a pedra - a pedra escorrega de seus dedos e volta a cair lá
embaixo, no vale.
Ele volta a descer, e sobe com a pedra para o
topo da montanha, e a mesma coisa volta a acontecer - e segue acontecendo. Essa
punição continua, repetindo-se sem parar.
Sísifo volta ao vale e começa a arrastar a
pedra outra vez. Todas as vezes ele vai com a esperança de que desta vez vai
conseguir, que desta vez ele vai ser capaz de levar a pedra ao topo, de que vai
mostrar aos deuses que eles estavam errados, e dirão: "Veja, Sísifo finalmente
trouxe a pedra ao topo!".
Ele arrasta a pedra novamente, tenta com
esforço por semanas e meses e, de alguma maneira, meio morto, volta ao topo da
montanha. Mas quando está lá a pedra escorrega e volta a cair no vale. E Sísifo
desce outra vez.
Você pode dizer que ele é louco: por que não
esquece essa ideia e fica onde está? Se você
realmente consegue perceber isso, então a religiosidade logo se desdobrará em
sua vida.
Todos nós somos Sísifos. Nossas histórias podem
ser diferentes, nossas montanhas podem ser diferentes, nossas pedras podem ser
diferentes, mas somos Sísifos. Fazemos sempre as mesmas coisas.
A pedra sempre cai do topo da montanha e volta
para o vale, mas a mente humana é muito estranha, ela sempre se consola: "Parece
que alguma coisa errado desta vez, da próxima vez tudo vai dar certo".
E assim sempre começa. Se tal erro estivesse
acontecendo por uma ou duas vidas, ainda seria tolerável, mas aqueles que sabem
dizem que isso tem acontecido há incontáveis vidas.
O desejo por prazeres materiais tem um papel
essencial na busca espiritual, porque seu fracasso,
seu profundo fracasso, é o primeiro passo em direção à busca da alegria
espiritual.
É por isso que eu não chamo de irreligiosa a
pessoa que está à procura de felicidade material. Ela também está procurando a religiosidade, mas na direção
errada; ela também está procurando a alegria, mas em lugar onde ela não
pode ser encontrada.
Mas pelo menos ela tem de descobrir isso em
primeiro lugar: que não pode encontrá-la lá. Só então ela vai procurar em outra
direção.
Alguém perguntou a Lao Tzu: "Você diz que não
se ganha nada com as escrituras mas nós temos ouvido que você lê as escrituras".
Lao Tzu responde: "Não, eu tenho ganhado muito com as escrituras. A maior coisa
que aprendi nelas é que nada pode ser aprendido com elas. Isso não é pouco. Não
há nada que possa ser aprendido com as escrituras, mas isso também não poderia
ser compreendido sem que elas fossem lidas primeiro. Eu li muito, eu procurei
muito - e então percebi que nada pode ser aprendido com elas".
Essa não é uma recompensa pequena para tamanho
esforço, mas por causa de seu caráter negativo, não percebemos. Só quando ficar claro que nada pode ser obtido com as
palavras, com as escrituras, só então começaremos a procurar na existência, na
vida.
Se não pudermos encontrar felicidade no
material, só então começaremos a procurar por ela em paz. Se não pudermos
encontrá-la por fora, só então começaremos a procurar por ela por dentro. Se a
felicidade não puder ser obtida através de coisas materiais, só então pode ser
que comecemos a procurar por ela no espiritual.
Mas essa segunda
busca somente começa quando a primeira falha. Por isso, o que Arjuna está
dizendo aqui certamente apenas se refere à felicidade material: "Qual o valor de um ganho material que só vem depois que
todos os nossos entes queridos se foram?".
Mas, aqui, o primeiro passo da busca espiritual
está sendo dado, e então eu insistiria em chamá-lo de homem religioso - e com
isso, querendo dizer não alguém que alcançou a religiosidade, mas alguém que
está sedento para isso.
Osho, em "Guerra e Paz Interior:
Ensinamentos do Bhagavad Gita"
Fonte: www.palavrasdeosho.com
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